quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Prata com gosto de ouro


Texto: Antônio Júlio
Fotos: Davi Garcia
Edição: Francisco Emanoel
Texto de abertura: Davi Garcia


O dia 28 de agosto de 2008 foi uma data histórica para Márcio Henrique Barbosa Araújo, ou apenas Márcio para os amantes do vôlei, e para todos os cearenses. Naquele dia ele conseguiu algo inédito, sendo o primeiro atleta masculino de nosso estado a conquistar uma medalha olímpica (antes apenas Shelda, também do vôlei de praia, tinha conseguido tal feito). Mesmo após a frustração com a derrota na final para os americanos Rogers e Dalhauser, Márcio percebeu a importância de seu feito ao chegar em terras cearenses, quando foi ovacionado por milhares de pessoas que o aplaudiam pela conquista da prata.

O cearense de 34 anos iniciou sua carreira no vôlei de praia em 1996 - ao lado de Reis Castro - e também fez parceria com Benjamin, com o qual disputou os jogos olímpicos de Atenas, terminando na nona colocação. Seu atual parceiro é o capixaba Fábio Luiz, que foi de fundamental importância para a atual conquista. Márcio é famoso no mundo do vôlei por suas defesas e levantadas, tendo sido escolhido em 2006 e 2007 o melhor levantador do circuito mundial.

Atualmente, Márcio treina aqui mesmo, no Ceará, nas areias da Beira-Mar e foi lá que ele concedeu à nossa equipe a entrevista que se segue.

Davi - Quais são suas melhores lembranças de Pequim? Houve um momento em especial?
Márcio - As lembranças das olimpíadas de Pequim são muito boas. Eu tive momentos maravilhosos, de sonho mesmo e de muita alegria. Um deles foi a partida da semifinal contra Ricardo e Emanuel, pois foi um jogo muito difícil, muito nervoso e nós conseguimos vencer. A própria interação com os outros atletas brasileiros também foi muito bacana, com a própria Maurren [Maggi, ouro no salto em distância], com a seleção de vôlei. Essa troca de energia é um momento que a gente guarda pra nossa eternidade.

Emanoel - Você comentou sobre a dificuldade na partida contra Ricardo e Emanuel. Como foi derrotá-los?
Márcio - Aqui no Brasil, a gente tem feito bons jogos contra eles e disputa é muito acirrada. Se não me engano, eles têm nove vitórias contra oito nossas, isso quer dizer que estávamos muito iguais. Este ano nós tínhamos enfrentado a dupla uma vez, na etapa de Brasília do circuito nacional, perdemos por dois a um em uma partida muito disputada. Nas Olimpíadas, nós sabíamos que era um momento muito emocional, já que eles estavam disputando o bicampeonato, defendendo o título, enquanto nós estávamos correndo atrás de uma medalha, pois já era minha segunda Olimpíada. Então eu entrei naquele jogo muito determinado, muito focado e eu sabia que ia ganhar aquele jogo.

Júlio - Durante uma matéria exibida após a semifinal você pareceu bastante surpreso em derrotar a dupla Ricardo e Emanuel. Foi realmente uma surpresa para você?
Márcio - De maneira nenhuma! Naquele momento eu demonstrei muito respeito ao adversário, até porque era um time de peso. Pra mim eles são dois “leões’ na praia, então naquele momento a gente matou dois “leões”. Mas eu não fiquei surpreso, mas emocionado e muito feliz, é diferente! É um sentimento de muita gratidão por tudo que a gente fez e aquele momento foi coroado com a vitória. Eu sabia que a gente tinha condições de vencer e o placar não mente. A mídia é que dá sempre ênfase à dupla Ricardo e Emanuel. Não sei porque a mídia faz um “bafafá’ tão grande por termos vencido.

Davi - Você acha que a dupla é colocada de escanteio pela mídia?
Márcio - Com certeza! Existe um “bairrismo” muito grande com o pessoal do Rio de Janeiro. Eu acho que a gente tem que valorizar o que é nosso e eu tenho muito orgulho de ser cearense. Acho que o importante é termos a consciência de que naquele momento tudo é Brasil. Eu sabia que não era mais um, mas um dos 277 atletas que estavam representando uma nação.

Emanoel - Você acha que existe um preconceito com o atleta nordestino?
Márcio - Sem dúvida nenhuma! Hoje nem tanto, já que o berço do vôlei de praia é aqui, foram Franco e Roberto Lopes que desbancaram os americanos [essa vitória aconteceu na etapa do Rio de Janeiro do Circuito Mundial, em 1994]. Mas existe esse “bairrismo”, esse preconceito, até mesmo racismo. O Nordeste tem suas belezas, suas riquezas, seu povo é humilde, mas é trabalhador e também faz o Brasil.

Júlio - Você diria que a conquista da medalha de prata foi a mais importante da sua carreira?
Márcio - Sim. A conquista da medalha de prata foi uma vitória muito grande para minha vida, representa muito e eu acho que isso tem que ser valorizado.

Davi - Após a final olímpica, o narrador Galvão Bueno afirmou que faltou “força mental” à dupla. Você concorda com essa afirmação?
Márcio - Não. Eu acho que naquele momento faltou, na verdade, um pouco mais de atitude. Nós poderíamos ter mudado a situação de jogo, ter feito algumas jogadas diferentes, mas não acho que faltou “força mental”, mas tranqüilidade.

Emanoel - Qual é a sensação de estar em um pódio olímpico?
Márcio - É uma emoção muito grande. Eu já estive em muitos pódios, mas olímpico foi a primeira vez, e é diferente, realmente é diferente. Eu fiquei muito emocionado de estar dividindo aquele pódio com mais de 180 milhões de brasileiros.

Júlio - Como você se sentiu em disputar sua segunda Olimpíada? Você pretende disputar uma terceira?
Márcio - Eu fiquei muito feliz de ter jogado uma segunda Olimpíada, pois a classificação foi muito difícil. E eu pretendo, sim, ir a outra Olimpíada. Eu tenho condições físicas, mentais e técnicas para isso, mas querer é uma coisa e poder é outra. É preciso tranqüilidade e pés no chão, pois o ciclo olímpico não é tão fácil.

Davi - Você se inspira em algum outro atleta? Quem?
Márcio - Um grande ídolo que eu tenho é o americano Karch Kiraly, que já conquistou três medalhas de ouro em Olimpíadas, duas na quadra e uma na praia [seus dois ouros na quadra foram em Los Angeles-1984 e Seul-1988, na praia conquistou em Atlanta-1996]. Ele não é um ídolo só pra mim, mas pra muita gente que joga vôlei. Eu tive o prazer de conhecê-lo, sou amigo dele e ele é uma integridade como pessoa e como profissional. Ele representa muita coisa pro voleibol e eu tento me espelhar na pessoa que ele é. E claro que também temos os nossos ídolos daqui. O Ayrton Senna é um cara vitorioso e acho que ele é um ídolo de todos os brasileiros.

Emanoel - Antes do Fábio você teve mais dois parceiros. Como é feita a adaptação quando ocorre a troca de dupla?
Márcio - Meu primeiro parceiro foi o Reis, que hoje é técnico da dupla Juliana e Larissa. A gente como já era cearense e já se conhecia não teve muito problema. Depois fui jogar com o Benjamin, que morava no Rio de Janeiro. Eu fiz o convite, ele veio morar aqui e fez toda uma base bem feita, com preparação física e técnica, um trabalho focado pra gente chegar na Olimpíada.

Júlio - Você sempre quis ser jogador de vôlei?
Márcio - Eu sempre pratiquei esporte. Eu entrei no vôlei por acaso. Na verdade, eu pratiquei saltos ornamentais e ginástica olímpica durante doze anos. Meu pai é professor de educação física, então eu tive um desenvolvimento dentro da área esportiva muito forte.Apareceu a oportunidade de jogar vôlei no colégio e fui. Então meu treinador do colégio me levou pra praia para ajudar Franco e Roberto [Lopes] e fiquei até hoje.

Davi - Qual foi o pior momento da sua carreira?
Márcio - Acho que foi a Olimpíada de Atenas. Eu achei que podia conquistar uma medalha e foi tudo por água abaixo. A nona colocação foi um resultado muito ruim, eu fiquei muito triste, mas o importante foi que eu aprendi, a decepção veio como lição, isso serviu muito pra mim.

Emanoel - Como é voltar ao Ceará depois dessa conquista?
Márcio - Eu voltei meio triste no avião e não tinha a dimensão do que era conquistar a medalha olímpica. Mas quando cheguei no aeroporto e vi aquela multidão de gente, carro de bombeiros esperando, aquela confusão, aí é que eu caí na real. Eu fiquei muito feliz de ter recebido o carinho dos cearenses.

Júlio - Você foi primeiro atleta masculino do Ceará a conquistar uma medalha olímpica. O que você acha que precisa ser feito para que outros cearenses alcancem essa marca?
Márcio - É importante que o nosso estado faça mais investimentos. Acho que podem surgir outros Márcios, outros Ricardos, Emanuéis, Gibas [Giba é jogador da seleção brasileira masculina de vôlei de quadra], Maurren Maggis. Aqui no Ceará esse material humano existe e o investimento deve ser feito em cima das crianças, pois são elas que vão fazer o futuro do esporte. Eu tenho esperança de que isso um dia possa acontecer, mas isso não depende da gente como atleta, mas dos órgãos responsáveis por esse setor.

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