segunda-feira, 20 de abril de 2009

Gaúcha engajada em programa de assistência a meninos cearenses


Camila Vasconcelos, Elidiane Gonçalves, Jane Moreno e Nyzelle Dondé

Paulina dos Santos Gonçalves, natural de Alegrete – RS, é graduada pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) em Assistência Social e atua no Programa de Liberdade Assistida Comunitária (LAC), atividade desenvolvida pela Pastoral do Menor em Fortaleza – CE. A gaúcha atua na área da criança e do adolescente desde 1993.

O Programa do LAC existe em Fortaleza desde 2002 e atende crianças e adolescentes que cometeram algum tipo de ato infracional e o ajuda a se reabilitar através de medidas sócio educativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 112.

Paulina dos Santos Gonçalves nos acolheu em sua casa, para nos contar um pouco mais deste programa num clima bem descontraído. A entrevistada nos contou histórias inusitadas dos adolescentes que são atendidos pelo programa. Alguns casos trágicos e outros com final feliz, em que o adolescente consegue se reabilitar e pretende prestar vestibular para o curso de assistente social para ajudar outras crianças que passaram pela mesma situação que ele.

Como foi que você veio morar aqui em Fortaleza e como você conheceu a Pastoral do Menor?
Paulina - Bem, eu vim transferida, porque eu pertenço a uma congregação religiosa que tem uma casa aqui em Fortaleza. Eu sou assistente social por formação e além de ter um trabalho pastoral também tenho que ter um trabalho profissional para me manter. Então eu procurei a Pastoral do Pastoral do Menor que por coincidência estava precisando de pessoas voluntárias para abordagem de rua, e assim que eu comecei. Fiquei 2 anos trabalhando como voluntária, quando precisou de uma assistente social eles lembraram de mim e me convidaram. Fiquei feliz, porque para mim era um desafio. Foi assim que eu vim parar aqui em Fortaleza e no programa de liberdade assistida comunitária.

Quais são as comunidades que o LAC assiste e quais foram os critérios de escolha dessas comunidades?
Paulina - Atendemos as comunidades do Pirambu, do Tancredo Neves, Jardim Iracema e Bom Jardim. As comunidades foram escolhidas por 2 critérios, um por ser em lugares com muitos adolescentes cometendo delitos e o outro por possuírem grupos ligados a Pastoral do Menor.

Atualmente vocês atendem quantos adolescentes?
Paulina - O trabalho hoje tem ampla abrangência e atuação, compreendendo desde à capital até as cidades do Interior em mais de 30 grupos que atendem diretamente 1500 crianças e adolescentes na idade entre 7 e 18 anos.No final de 2008 atendemos no total de 107 meninos só aqui na capital de Fortaleza.

Quais são os maiores problemas enfrentados nos atendimentos dos meninos?Paulina - No Jardim Iracema, por exemplo, os meninos envolvidos com crack, chegam sempre agitados aos atendimentos. Então temos que nos adaptar ao mundo deles, e a gente tem fazer um atendimento mais dinâmico, com mais espaço para eles gastem essa agitação. Nós trabalhamos com todos eles o acordo de convivência básica, para que no atendimento não exponha nem eles nem nós. As meninas, por incrível que pareça, vêm mais sofridas e são bem mais difíceis de trabalhar. Mas cada um é uma história e uma problemática diferente.


Há algum tipo de assistência para a família, caso eles tiverem precisando?
Paulina - O nosso trabalho é de acompanhamento do adolescente e na medida do possível com a família. Se a família deles precisa de alimentação, a gente aciona a rede de assistência do município. Teve casos que a gente precisou fazer vaquinha. Nós vamos cobrar do município, do estado, vamos atrás do conselho tutelar. Muitas vezes a família tem trabalho informal e se vira com o Bolsa Família. É um momento de escuta para as mães. Nós estamos trabalhando no grupo de apoio a família e uma vez por mês nós fazemos um atendimento coletivo, o que nós chamamos de círculo de cultura, nós trabalhamos alguns temas, fazemos atividades juntos, é um dia de descontração, comemoramos aniversário, com merenda. É um trabalho de conquista.

Qual é o perfil dos meninos que são atendidos pelo LAC?
Paulina - Geralmente meninos de escolaridade baixa, nem concluíram as primeiras séries do ensino fundamental. 50 % admitem ter envolvimento com drogas, e muitas vezes é a droga que leva esses garotos a roubarem. É interessante que a maioria dos meninos tem vínculo forte com a família, esse é o dado interessante, outro dia fizemos um censo. A maioria mora só com a mãe, ou com a vó.

Que tipo de ato infracional é mais comum entre os adolescentes atendidos por vocês?
Paulina - Em geral é tráfico de drogas, pequenos furtos, perturbação do sossego alheio. As meninas que são geralmente pegas guardando drogas para os namorados e aí vai.

Quais são as atividades realizadas pelo programa?
Paulina - Realizamos o círculo de cultura, que é um espaço de dinâmica e vivência entre os adolescentes. Tem a GAF (Grupo de Apoio à família), lá fazemos atividades com os familiares dos menores com o intuito de fortalecer a auto-estima de cada um. Visitas Domiciliares, que possibilita a equipe conhecer de perto o ambiente do adolescente a fim de procurar alguma forma de intervir positivamente naquele contexto, além de atendimentos personalizados – onde está inserido a elaboração do Plano de atendimento Individual (PIA) - e rodas de conversa com orientadores sociais.

Qual é a trajetória do adolescente que cometeu um ato infracional passa até chegar no Programa de Liberdade Assistida - LAC?
Paulina - O adolescente que cometeu um ato infracional, primeiramente ele é apreendido pelo policial que o encaminha para a delegacia especializada onde é feito o boletim de ocorrência. Ele é ouvido pelo promotor do Ministério Público. Depois que acontece o julgamento, se o ato for considerado leve, eles localizam a família, entregam a família e acontece o acompanhamento no LAC que se dá através de reuniões para o preenchimento de relatórios de acompanhamento, onde deverão constar histórico familiar, pedagógico, de capacitação e conduta criando subsídios e extensão ou desligamento da medida socioeducativa. Em um dia marcado, eles tem que se apresentar na audiência. Se no julgamento o ato for considerado grave, ou a família não conseguir ser localizada, ele fica na triagem, que é uma unidade de recepção, onde ele vai ficar aguardando a audiência com o Juiz

Como funciona a LAC e quais seus objetivos principais?
Paulina - O programa é desenvolvido através da interlocução junto ao poder judiciário e dos conselhos de Direitos e Tutelares, Secretarias e Rede de atendimento aos direitos da criança e adolescente. Os adolescentes chegam das delegacias especiais e tendo como medida Sócio-Educativa a Liberdade Assistida se iniciam os atendimentos que acontecem na própria comunidade do adolescente a partir do acompanhamento da equipe técnica. O Programa mostra ao adolescente o valor de sua liberdade e as regras necessárias para a convivência social. Tem o objetivo de acompanhar os adolescentes, aos quais a autoridade aplicou a medida sócio-educativa de Liberdade Assistida, através de abordagens individuais e grupais, envolvendo também os familiares. Esse programa tem como principal função pedagógica levar ao adolescente a certeza do seu valor como pessoa humana e sujeito de direitos.

A equipe é formada por quantas pessoas? E qual é sua responsabilidade?
Paulina - A equipe é formada por 2 assistentes sociais, 1 psicóloga, 1 pedagogo, 6 estagiários, 1 secretário e 2 pessoas da coordenação. O papel da equipe é acolher, acompanhar o adolescente e a cada 3 meses fazer um relatório, como eu já tinha citado anteriormente identificando as problemáticas sócio-familiar no intuito de inseri-los em políticas públicas e serviços sociais. Se ele continuar com problemas nós vamos oferecer tratamento e comunicar ao juiz para ser avaliado junto com a promotoria. Um ponto de destaque dentro da proposta de Liberdade Assistida comunitária é que cada adolescente possui um Orientador Social que disponibilizam de 2 a 4 horas semanais para acompanhar o mesmo, sendo uma referência de apoio nesse contexto de vida do adolescente em Liberdade Assistida.

Quais são as medidas socioeducativas?
Paulina - Ao todo são seis. A primeira é a advertência, a segunda é a reparação de danos; a terceira é prestação de serviço a comunidade, em um lugar público com duração de 6 meses a 1 ano; a quarta é o acompanhamento através da Liberdade assistida; a quinta é a internação provisória, que é para dar um “susto” que vai de 45 no máximo 90 dias no caso de o adolescente não comparecer aos atendimentos, sexta e última é a privação da liberdade.

De quem é a competência de manter financeiramente o programa?
Paulina - O programa de liberdade assistida comunitária era uma parceria com a prefeitura. Antes era uma parceria da pastoral do menor nacional com o Ministério da Justiça, que repassava esse recurso para desenvolver o programa de liberdade assistida comunitária. Um dos objetivos desse programa, além de atender os meninos era também a municipalização, fato que aconteceu em Fortaleza. Hoje a medida Liberdade Assistida é municipalizada e a Pastoral do Menor é uma parceira nesse trabalho. O recurso para a gente continua vindo do Ministério da Justiça, só que agora ele é administrado pela prefeitura, através da FUNCI (Fundação Criança e do Adolescente Cidadão), que é o órgão gestor da política da criança e do adolescente aqui em Fortaleza.

Qual é a sua opinião com relação à redução da maioridade penal?
Paulina - Pessoalmente, acho que seria um retrocesso, porque existe hoje uma idéia por alguns programas sociais, de que parece que os adolescentes são os únicos protagonistas do crime. Quando na verdade, hoje se for fazer um balanço dos crimes que são cometidos pelos adolescentes e os crimes que são cometidos por adultos, é bem maior, tanto veja que hoje são denunciados mais os casos de abuso feito contra crianças e adolescentes. E outra, o sistema penal não dá conta dos que tem, imagina hoje o sistema penal absolver esse contingente que está nos centros educacionais, o que seria? Então eu acho que essa redução seria um retrocesso sobre o que nesses 18 anos se construiu de direitos das crianças e adolescentes.

Retomando ao Estatuto, você acha que no Estatuto da Criança e do adolescente existe falha?
Paulina - Apesar dos 15 anos de promulgação do Estatuto, sua aplicação vem sendo comprometida pala ausência de políticas públicas e retaguardas, como por exemplo a LAC. Eu acho que existem algumas coisas dúbias, mas na verdade eu sempre me lembro de um jurista que dizia assim, “tem gente que diz que o estatuto não vai pegar...é mas Estatuto não é gripe (risos) o Estatuto é lei, tem que cumprir. Na verdade hoje, 18 anos depois do Estatuto criado, ainda tem muita coisa para se fazer. Porque o estatuto prevê os direitos não só de uma criança, pobre, ele pensa o direito da criança como um todo, como prioridade inclusive orçamentária e hoje se vê que no orçamento ainda não existe nenhuma rubrica específica da LAC. Se é prioridade, isso deveria repercutir também no orçamento.

Por fim um caso que deu certo, uma história de vida resgatada?
Paulina - Tem um caso de um menino que chegou para nós muito envolvido com a gangue, muitos amigos dele chegaram até a morrer. Mas este garoto sempre ia para os atendimentos. Posteriormente entrou para um curso técnico, depois o caso dele foi julgado ai ele foi liberado dos atendimentos. Um dia desses, nós fomos até a casa dele e a mãe dele nos falou que ele estava trabalhando em uma empresa e estava pensando em prestar vestibular para Assistente Social. Ele conseguiu dar um rumo para a vida dele. O mais interessante é que ele continua morando no mesmo bairro, que é um bairro violento, e continua amigo dos meninos da gangue, mas não se envolve mais. Nesse caso, a equipe ficou muito orgulhosa com o sucesso do nosso trabalho.

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