domingo, 22 de março de 2009

A via-crucis do ecumenismo

A pretensão revolucionária da união entre igrejas em busca de tolerância e paz gera polêmica, preconceito e resistência no meio religioso

Texto: Regina Duarte, Suzy Valério e Gabriela Bezerra

Ecumenismo é o processo de busca da unidade. O termo que surgiu na Conferência Missionária Mundial, em Edimburgo, em 1910, provém da palavra grega "oikos", que significa casa, querendo indicar "toda a terra habitada". Num sentido mais restrito, esse termo é colocado quando se fala nos esforços em favor da unidade entre igrejas cristãs. Num sentido amplo, também chamado de macro-ecumenismo, pode demonstrar a busca da unidade entre as religiões ou mesmo, da humanidade.

No dicionário, ecumenismo é definido como o movimento que visa à unificação das igrejas cristãs, que engloba a católica, a ortodoxa e a protestante. A definição da Igreja diz que é a aproximação, a cooperação, a busca fraterna da superação das divisões entre as diferentes igrejas cristãs. Atualmente, o termo tem um significado estritamente religioso, apesar do seu contexto histórico abranger os aspectos geográfico, cultural e político.

No Brasil e no mundo existem vários organismos de natureza ecumênica. O mais importante, no Brasil, é o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, o CONIC, fundado em novembro de 1982, com sede em Brasília e cujo símbolo é um barco. Seus membros são: Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Cristã Reformada, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e Igreja Católica Ortodoxa Siriana do Brasil. No Ceará, o movimento ecumênico se torna concreto através do Conselho de Orientação do Ensino Religioso do Ceará, o CONOERCE, presidido pelo pastor da Igreja Bastista, Samuel de Aguiar Munguba Jr.

O presidente do Conselho de Orientação do Ensino Religioso do Ceará, o CONOERCE, Samuel Munguba Junior, falou com a nossa reportagem sobre seu trabalho.

O ecumenismo é um tema muito polêmico. O que é o ecumenismo na sua visão?
O ecumenismo na minha ótica é o diálogo religioso entre as religiões, não a junção de religiões, é cada Igreja, cada um que pertence a uma Igreja, tem o respeito, o carinho, o amor. Você não simplesmente isola uma pessoa, diminui uma pessoa por aquela prática daquela religião. Eu tenho amigos que são macumbeiros, espíritas, católicos e os da Igreja Batista, que é a minha religião. Você não pode rotular uma pessoa pela religião que ela professa. Eu acho que isso é uma questão de cultura de paz.

Então, qual a sua visão sobre cultura de paz do ponto de vista do ecumenismo?
Eu acredito que o nome cultura de paz é bem apropriado porque é o seguinte: isso não é uma ação isolada, você não pode ter apenas uma ação de uma Igreja, de uma entidade, de uma universidade, mas deve ser uma cultura, ou seja, cultura é aquilo que é próprio de um povo. Você tem que criar mecanismos para que as pessoas possam começar a pensar dessa forma. Por exemplo: se você não joga lixo na rua é porque você aprendeu, essa é a cultura daquele povo. Isso deve acontecer com a paz. Não é simplesmente a ausência de guerra, é o envolvimento de toda sociedade com atos claros de paz. Assim como o amor não é sentimento, o amor é prática, a paz também não é apenas um rótulo que você coloca, mas é uma vivência.

De que forma o ecumenismo pode contribuir para a cultura de paz?
A minha maneira de ver é que Deus é grande demais e nós não compreendemos toda a dimensão de Deus. Eu consigo compreender uma parte disso, então, eu vou tentando compreender mais. O importante é você ser humilde o suficiente pra dizer: “Eu entendo dessa forma, mas ela não é a única verdade”.

Algo aconteceu em sua vida para que o senhor se engajasse nessa filosofia de cultura de paz?

Eu também sou cantor. A venda dos meus CD’s rendia uma média de R$ 300.000 por ano. Quando CONOERCE, no outro dia, cortaram meus CD’s das rádios, não me chamaram mais pra nada. Eu fazia show no (Estádio) Castelão, show no (Estádio) Presidente Vargas e em grandes locais da cidade. No outro dia, eu não existia mais para a comunidade evangélica. Foi um preço muito alto que paguei, mas faço isso porque acredito que alguém precisava fazer.

Dentre várias outras atividades, além de ser líder de uma igreja evangélica, o senhor é presidente do CONOERCE, o movimento ecumênico do Ceará. Como funciona esse movimento?
Nós ficamos conhecidos na área do ecumenismo porque ela aglutina padres, pastores, líderes religiosos e nós aprendemos a convivência do diferente juntos. Aliás, tivemos que aprender por causa da lei. A lei diretriz base de educação. Ela é a teoria da existência do CONOERCE, mas nós tínhamos de aprender na prática, ou seja, foi o jeito, não é porque nós somos bonzinhos, não é porque a Igreja Católica é maravilhosa ou a Igreja Batista... Não! É porque é lei. A lei disse que precisava existir e nós fomos aprendendo no dia-a-dia com essa convivência.

Há muita polêmica envolvendo o movimento ecumênico. O senhor é muito criticado?
Eu acho que já fui bem mais, mas a gente tem que aprender com as diferenças. Eu aprendi uma coisa: o diferente não é, necessariamente, meu inimigo, ele é meu professor, ele me ensina o que eu não vivo, aquilo que eu não sei, que não compreendo. O diferente é importantíssimo pra mim.

A gente observa que o fanatismo é motivo de guerras históricas. Como o ecumenismo pode contribuir para que haja uma mudança em favor da cultura de paz?
O fanatismo é utilizado sempre através do poder e das igrejas pra conquistar mais, pra dominar, pra manipular. Na nossa Igreja o que eu mais trabalho é a questão da conscientização, ou seja, eu quero que as pessoas pensem e é muito difícil você levar as pessoas a pensar, porque as pessoas que mande nela, alguém que domine, alguém que decida por ela, porque se der certo o mérito é da pessoa, mas se der errado, ela tem a quem culpar. O fanatismo vai por aí, alguém domina a sua vida, que diz que você não vai para o céu se faz aquilo, que, se fizer, perde a salvação. A Igreja Batista, no meu caso, é muito aberta, ela faz você pensar sobre a vida. Agora, eu fico preocupado com o seguinte: se nós observarmos as grandes guerras, sempre há um fundo religioso. Nós precisamos trabalhar para que a religião liberte. A religião mal vivida aprisiona mais do que liberta.

De que forma cada indivíduo poderia contribuir para a paz no mundo?
A mudança começa em cada um. No meu caso, eu sou pai, então, como eu trato meus filhos? Como eu trato a minha esposa? Eu acho que o grande desafio de um Pastor é que quando eu estou pregando, eu tenho a minha mulher e meu filho na primeira fila olhando pra mim, medindo exatamente quem eu sou, qual a integridade da minha vida. E ser íntegro é ser a mesma pessoa sempre. Eu acho que a cultura de paz começa por aí, quando eu sou íntegro. Ser a mesma pessoa e investir na sua vida, no seu relacionamento. Cultura de paz começa em casa.

Um comentário:

eadeducacaodofuturo disse...

Parabenizo a iniciativa desta matéria por se tratar de um assunto necessário apesar de polêmico: ecumenismo. Na verdade, o ecumenismo é visto com maus olhos por muitos devido ao preconceito enraizado através de nossas origens enquanto nação. Mas, no que se refere ao CONOERCE, vai muito além do ecumenismo, se trata de um salto qualitativo na área da educação, em razão do respeito à diversidade religiosa do Brasil,levado a efeito desde a República e se efetivando mais concretamente na Constituição de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação, onde prevê que os conteúdos ministrados na disciplina de Ensino Religioso, sejam acompanhados por entidades da sociedade civil formada pelas diversas denominações religiosas. Que esta experiência cresça nos diversos municípios de nossa nação.
Maria Luiza N.Amancio